A peculiaridade do problema era
óbvia. A originalidade não necessariamente um factor de regozijo.
O dia amanheceu escuro, engolido por
um Inverno déspota e teimosamente a querer dar nas vistas. Ryan, que até
gostava do toque da chuva, não pensava sequer nisso agora, embrenhado noutro
tipo de pensamentos. Lá fora a água escorria em catadupa rua abaixo, capaz de
inundar os tornozelos das senhoras calçadas com sapatos de salto alto. Sentado
no sofá, envergando um copo com vinho tinto na mão, bebericava um líquido que
considerava amartelado, de fraca qualidade e algo que apenas tolerava consumir
quando se encontrava sozinho. O que era o caso.
Estava preso a um estilo de vida do
qual começava a envergonhar-se. Acusava já a frustração de não conseguir
resistir aos impulsos. E pior, começava a sentir-se viciado. Noite após noite,
bêbado, deitava-se em lençóis maculados de odor a roçar o insuportável. Fumava
na cama até altas horas da madrugada, de olhar fixo nas sombras que dançavam no
tecto escurecido.
Uma noite, adormeceu de cigarro na
mão e só por sorte que conseguiu acordar a tempo, segundos antes de se deixar
imolar por um fogo que já controlava grande parte do lençol. O susto foi de tal
ordem que caiu cama abaixo num barulho seco e potente a fazer lembrar o troar
de um relâmpago. Nenhuma sequela física.
Dez horas da manhã e a garrafa já
seguia a mais de meio. Uma coerência invulgar com a precisão de um relógio
suíço. Uma velocidade de evaporação exponencial a cada novo copo. Ryan o
bebedolas, pensava para si mesmo. Ryan o esponja. Ryan o Zé Ninguém.
Arrotou com estrondo para soltar uma
bolha de gás acumulada nas costelas e que lhe estava a causar um forte
desconforto. Talvez a sorte mudasse em segundos. Esperou, mas, desesperou.
Bebeu mais um copo. De uma assentada só, sem respirar. Culpou-se por não ter
comprado tabaco na noite anterior.
Envolto no cheiro agridoce do último
cigarro pronunciou em surdina as palavras que gostaria de voltar a ouvir… amo-te.
( © PCV, da série "Contos Ingleses", 2012)
[do texto nasceu a fotografia. obrigada pelo desafio.]
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