"Custa-me falar. Custa-me dizer palavras que não conduzam a lado nenhum, que não originem intimidade, que não toquem . E por vezes, penso: vou gastando as minhas palavras, assim, desapaixonadamente, desinteressadamente; e quando precisar mesmo delas - ainda acredito que esse dia chegará -, descobrirei que se me acabaram; procurarei dentro de mim e não encontrarei; apenas o vazio estará lá: maior que hoje. E preocupo-me: porque não sei onde se podem ir buscar palavras, não sei se é possível obter e usar mais palavras que aquelas que nos dão à nascença (nascemos apenas com dois olhos, e assim temos de sobreviver; nunca ninguém pensou partir pelo mundo em busca de mais olhos, por achar que dois são insuficientes).
(...)
Penso (pensar não gasta palavras) muitas coisas, assim. E tenho pena de não poder falar disto a ninguém, não ter as palavras necessárias em mim. Sinto-me deficiente: nasci com défice de palavras. (...)"
[excerto da estória "Gastar palavras" de Paulo Kellerman]
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